(Carta Capital )DACAR, SENEGAL – A 11ª e
o Fórum Social
Mundial foi aberta neste domingo (6) em Dacar, capital do Senegal, com a
agenda de debates renovada pelos protestos pró-democracia noNorte da
África e no Oriente Médio. Ao final da tradicional marcha de
abertura, entre os arredores da grande mesquita local (95% dos
senegaleses são mulçumanos) e a Universidade de Dacar, onde acontece o
encontro, ativistas de Tunísia e Egito dividiram o palco com
personalidades como o presidente da Bolívia, Evo Morales, e o senegalês
de origem tunisiana Taoufik Ben Abdallah, um dos responsáveis por levar o
Fórum pela segunda vez à África. Em discurso emocionado, o
advogado tunisiano Trifi Bassem, ativista pelos direitos humanos em seu
país, disse que a revolta popular que derrubou o ditador Ben Ali, em
janeiro, pode inspirar outros povos que vivem sob regimes autoritários a
se mobilizarem. A queda do ditador pôs fim à repressão de 23 anos
baseada "em tiros de bala, cacetetes e gás lacrimogênio", disse ele. Em
entrevista à Carta Maior, Bassem, que integra uma delegação de
20 tunisianos presentes em Dacar, afirmou que "subiu ao palco para
transmitir um pouco da energia e do sonho que tenho pela libertação do
povo do meu país". Para ele, "o formidável e interessante no Fórum é que
todo mundo se encontra, troca experiências, idéias e sonhos, os mesmos
sonhos que o povo tunisiano sonhou".No mesmo tom, o
representante do Egito disse que seu povo "mostrou que tem coragem para
pagar o preço da liberdade". Ele, que há dois dias estava na praça
Tahrir, palco dos protestos contra o presidente Hosni Mubarak, no centro
do Cairo, explicou que a "revolução" não cessará enquanto tudo não
ficar "preto no branco". "O bravo povo egípcio mostrou que tem coragem
para pagar o preço da liberdade. Mais de 300 pessoas já morreram nesta
luta suja. Não sei o que vai acontecer amanhã, mas o passo da revolução
vai continuar", concluiu.
Conflitos, alternativas e Lula no
FórumFalando em nome da organização do Fórum, Taoufik Ben
Abdallah tem afirmado que o encontro refletirá os conflitos no mundo
árabe e tratará das alternativas populares e democráticas e dos valores
universais. Entre as atividades em planejamento, um grupo de
ativistas ligados à imprensa alternativa promete para esta segunda-feira
(7) um link ao vivo entre Dacar e a Praça Tahrir, no Egito. A
programação oficial ainda não foi divulgada, mas as 1.205 organizações
inscritas no evento já contam em mãos com um cronograma provisório e
cuidam elas mesmas de anunciar suas atividades. O Fórum Social
Mundial de 2011 deve receber participantes de 123 países, além da
Palestina e Curdistão, entre os dias 6 e 11 de fevereiro. A expectativa
do Comitê Organizador é que 50 mil pessoas se reúnam para as atividades.
Os temas a serem debatidos envolvem gastos militares, crise alimentar,
desenvolvimento, agricultura familiar, saúde, seguridade social, acesso à
água e a saneamento. O ex-presidente brasileiro Luiz Inácio
Lula da Silva participará do Fórum deste ano ao lado do presidente do
Senegal, Abdou Layewade. Ambos estarão na mesa "A África na geopolítica
mundial", marcada para acontecer nesta segunda-feira (7), das 12h30 às
15h30 locais (2h a mais de fuso em relação à Brasília). A presidenta
Dilma Rousseff não virá ao Senegal e está sendo representada pelo
ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto
Carvalho.
Marcha de abertura
As lutas pró-democracia
no Norte da África e no Oriente Médio marcaram forte presença na marcha
de abertura do Fórum. "Ficamos surpresos com tudo o que aconteceu lá",
afirmou Hanane Gareh, representante da Confederação Democrática do
Trabalho do Marrocos (CDT), a maior central sindical do país. "Quando um
povo se levanta e passa a lutar por seus direitos, não há como não os
apoiar. Ninguém imaginava que isso podia acontecer no Egito e na
Tunísia", disse ela à Carta Maior, enquanto carregava uma
bandeira da CDT.
Gareh não considera, porém, que os conflitos
possam atingir o Marrocos – uma monarquia constitucional. Segundo ela,
as liberdades civis e políticas são garantidas no país, em que haveria
disputa entre os partidos e abertura para protestos e greves. "Mas isso
não significa que não haja muito o que melhorar", ressalta ela. Algo
demonstrado, por exemplo, na luta do povo saharaui pela independência do
Saara Ocidental frente ao Marrocos, que controla a área desde a década
de 1970, após a saída da Espanha. Mulheres na marcha Em
uma marcha marcada pela grande presença das mulheres africanas,
ativistas apresentaram outros temas que serão discutidos no Fórum. A
jornalista brasileira Terezinha Vicente, militante da Ciranda da
Comunicação Independente e da Marcha Mundial das Mulheres, apontou a
violência contra a mulher como uma questão essencial, sobretudo na
África. "Em vários países africanos em conflito, o estupro é uma
arma de guerra. Em outros, a prostituição é um saída contra a pobreza",
disse Terezinha, que aponta que 70% dos pobres do mundo são mulheres –
ou seja, "a pobreza é feminina", pontuou.O agricultor e criador
Ibrahime Balde, da região de Kolda, sul do Senegal, reafirmou sua luta
por melhores condições para se produzir em seu país. Dono de dois
hectares de terra, ele tem um objetivo claro: "Eu quero o mesmo que os
agricultores europeus possuem, o mesmo desenvolvimento", afirmou à Carta
Maior. Para disso, escolheu militar em uma organização da sociedade
civil de sua localidade, apesar das sugestões para que se envolvesse
com a política tradicional. "É o que me dizem, mas eu não gosto dela".Um
outro tema presente na marcha, em faixas e nas camisas dos militantes,
foi a educação. Magueye Soue, membro do Grupo para o Estudo e a Educação
da População, uma ONG senegalesa, contou que sua entidade possui
parceria com as Nações Unidas e mantém, entre outros projetos, pesquisas
sobre desnutrição de crianças. "O Fórum será uma oportunidade para
conhecer outros projetos parecidos", disse ele.Já a finlandesa
Fanny Bergmann, voluntária na associação Action Enfance Senegal,
afirmou que é difícil falar sobre um Fórum que ainda iria começar, mas
espera avanço nos debates e iniciativas contra a exploração do trabalho
infantil – infelizmente ainda tão comum em Dacar. Na capital
senegalesa, Fanny, que é estudante de Literatura Francesa, dá aulas de
inglês e artes École Associative de Ndiagamar, dedicada a
crianças carentes nesse subúrbio pobre da cidade, onde vivem 70 mil
pessoas. |